Pela primeira vez na França, o programa de mostras itinerantes da 34ª Bienal de São Paulo – Faz escuro mas eu canto desembarca em seu último ato na cidade de Arles, na região da Provença, numa exposição realizada em conjunto com o LUMA Arles, instituição inovadora que conta com seis edifícios para realização de exposições, incluindo uma icônica torre desenhada pelo arquiteto Frank Gehry. A mostra vai de 16 de dezembro de 2022 a 5 de março de 2023 e a entrada é gratuita.
A curadoria da mostra é de Jacopo Crivelli Visconti, curador geral da 34ª Bienal de São Paulo, e Vassilis Oikonomopoulos, diretor de exposições e programações do LUMA Arles. A mostra é produzida e organizada pelo LUMA Arles e pela Fundação Bienal de São Paulo, com o apoio da Fundação ENGIE.
As mostras itinerantes da 34ª Bienal foram concebidas a partir de enunciados, que são objetos ou elementos imateriais com histórias marcantes ao redor dos quais obras e artistas são reunidos, estimulando leituras a partir de narrativas e não de formulações conceituais fechadas. Em Arles, a exposição traz como fios condutores os enunciados A ronda da morte de Hélio Oiticica, Cantos Tikmũ’ũn, O sino de Ouro Preto e Os Retratos de Frederick Douglass.
Sob essa premissa, Seba Calfuqueo realiza uma performance na abertura da exposição, no dia 16 de dezembro de 2022, das 17h às 17h15 (horário local) e também no dia seguinte, 17 de dezembro, às 15h, e as artistas Alice Shintani, Carmela Gross e Regina Silveira participam de uma discussão mediada pelos curadores Jacopo Crivelli Visconti e Vassilis Oikonomopoulos no dia 17 de dezembro de 2022, das 10h30 às 12h, ambos no LUMA Arles, com entrada gratuita mediante inscrição.
A mostra é composta por trabalhos de catorze artistas de sete países diferentes, em sua maioria brasileiros: Alice Shintani (Brasil), Amie Siegel (Estados Unidos), Carmela Gross (Brasil), Daiara Tukano (Brasil), Gala Porras-Kim (Colômbia), Jaider Esbell (Brasil), Manthia Diawara (Mali), Naomi Rincón Gallardo (Estados Unidos), Noa Eshkol (Palestina/Israel), Regina Silveira (Brasil), Seba Calfuqueo (Chile), Sueli Maxakali (Brasil), Victor Anicet (Martinica) e Zózimo Bulbul (Brasil).
A abertura da exposição coincide com o simpósio Realities of Science Fiction II [Realidades da ficção científica], apresentado no LUMA Arles de 16 a 18 de dezembro de 2022, que discute perspectivas contemporâneas sob noções de imaginários de ficção científica, os traços que eles deixam e os caminhos pelos quais podem transformar a realidade.
Sobre o enunciado A ronda da morte de Hélio Oiticica
Hélio Oiticica viveu em Nova York durante os anos documentados como os mais violentos do regime militar, aqueles que sucederam o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de dezembro de 1968. De volta ao Brasil em 1978, percebeu que já não poderia encontrar muitos dos amigos que havia feito em meados da década de 1960 no samba e nas favelas do Rio, atribuindo essas ausências ao aniquilamento sistemático de uma parcela da população por parte do Estado. No ano seguinte, abalado pela brutal execução de mais um de seus amigos, escreveu uma carta em que descrevia um “parangolé-área” chamado A ronda da morte. No formato de uma tenda de circo negra, teria luzes estroboscópicas e música tocando em seu interior, um ambiente convidativo para que as pessoas pudessem entrar e dançar. Enquanto a festividade se desenrolasse no seu interior, o perímetro da tenda seria cercado por homens a cavalo, que dariam voltas em torno dessa área emulando uma ronda.
Sobre o enunciado Cantos Tikmũ’ũn
Os Tikmũ’ũn, também conhecidos como Maxakali, são um povo indígena originário de uma região compreendida entre os atuais estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Após inúmeros episódios de violências e abusos, os Tikmũ’ũn chegaram a beirar a extinção nos anos 1940 e foram forçados a abandonar suas terras ancestrais para sobreviver. Os cantos organizam a vida nas aldeias, constituindo quase um índice de todos os elementos que estão presentes em seu cotidiano – plantas, animais, lugares, objetos, saberes – e envolvendo sua rica cosmologia. Grande parte desses cantos, muitas vezes destinados à cura, é executada coletivamente. O ato de cantar se torna, entre os Tikmũ’ũn, parte integral da vida, porque é através do canto que se preservam as memórias e se constitui a comunidade. Cada membro da aldeia é depositário de uma parte dos cantos, que por sua vez pertence a um espírito – chamado Yãmîy, palavra que também designa os cantos –, convocado e alimentado durante o canto ritual. Todos os cantos, juntos, compõem o universo tikmũ’ũn, que é constituído por tudo que esse povo vê, toca, colhe, come, mata e sente, mas também pela memória de plantas e animais que não existem mais, ou que ficaram nos lugares de onde os Tikmũ’ũn tiveram que fugir para sobreviver. Como comunidade, vivem na língua que ainda praticam e defendem vigorosamente. Cantando.
Sobre o enunciado O sino de Ouro Preto
A Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos, mais conhecida como Capela do Padre Faria, é uma pequena igreja localizada em Ouro Preto (Minas Gerais), cujo campanário carrega um sino de bronze, fundido na Alemanha em 1750. Conta-se que, em 21 de abril de 1792, esse sino foi o único da colônia a ecoar, em aberta desobediência à ordem oficial que proibia homenagens ao inimigo da coroa, um toque de lamento pela execução de Tiradentes, único participante da Inconfidência Mineira que não teve revogada sua sentença de morte. Com a independência do Brasil e a proclamação da República, o mártir mineiro foi declarado herói nacional, e o sino que o homenageou passou a ser considerado um símbolo da luta pela soberania do país, a tal ponto que em 1960, em outro 21 de abril, foi levado a Brasília, içado ao lado de uma réplica da cruz usada na primeira missa realizada no Brasil e tocado para a inauguração da nova capital.
Sobre o enunciado Os retratos de Frederick Douglass
Frederick Augustus Washington Bailey nasceu em Talbot County, Maryland (EUA), em fevereiro de 1817 (ou de 1818, segundo algumas fontes), filho de uma mãe negra escravizada e de um pai, provavelmente branco, que nunca o reconheceu. Em 1838, após algumas tentativas frustradas, conseguiu fugir para Nova York, onde a prática da escravidão havia sido abolida em 1827, mas a sensação de insegurança causada pela espreita constante de “sequestradores legalizados” de fugitivos fez com que logo se mudasse para New Bedford (Massachusetts), onde adotou o sobrenome Douglass.
Serviço
34ª Bienal de São Paulo – Faz escuro mas eu canto
Programa de mostras itinerantes
LUMA Arles
Arles (França)
16 de dezembro 2022 – 5 de março 2023
Les Forges, Parc des Ateliers
35 avenue Victor Hugo
13200 Arles
quarta – segunda, 10h – 18h
entrada gratuita