O Sino de Ouro Preto

A Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Brancos, mais conhecida como Capela do Padre Faria, é uma pequena igreja localizada em Ouro Preto (Minas Gerais), cujo campanário carrega um sino de bronze, fundido na Alemanha em 1750. Conta-se que, em 21 de abril de 1792, esse sino foi o único da colônia a ecoar, em aberta desobediência à ordem oficial que proibia homenagens ao inimigo da coroa, um toque de lamento pela execução de Tiradentes, único participante da Inconfidência Mineira que não teve revogada sua sentença de morte. Com a independência do Brasil e a proclamação da República, o mártir mineiro foi declarado herói nacional, e o sino que o homenageou passou a ser considerado um símbolo da luta pela soberania do país, a tal ponto que em 1960, noutro 21 de abril, foi levado a Brasília, içado ao lado de uma réplica da cruz usada na primeira missa realizada no Brasil e tocado para a inauguração da nova capital. Na ocasião, em seu discurso, o Presidente Juscelino Kubitschek reconheceu o desejo de saudar, nessa data, “o passado e o futuro de nossa pátria, através de dois aconteci- mentos que se ligam no ideal comum que os animou: o de fazer o Brasil afirmar-se como nação independente”.

O que quer dizer, hoje, voltar a olhar para esse sino tão fortemente marcado pela história do período colonial, sentir o tempo que continua se sedimentando sobre ele, refletir sobre quanto sua vida se passa basicamente em silêncio, apesar dos repiques que de tempos em tempos ressoam? Que ecos do Brasil e do mundo chegam, hoje, até a antiga Vila Rica e reverberam no bronze desse sino? Quantos repiques e badalos teriam que se fazer ouvir hoje para marcar cada uma das mortes provocadas – como foi a de Tiradentes – pelo Estado, por um governo desta vez omisso, que insiste que nosso dever é esquecer?

Ao longo do tempo expandido da 34a Bienal, algumas obras são apresentadas mais de uma vez, em contextos e momentos diferentes, para enfatizar que nada permanece idêntico: nem um sino, nem quem o escuta ou olha para ele, nem o mundo ao redor. A própria história e a imagem desse sino já apareceram na exposição Vento, que ocupou o Pavilhão Ciccillo Matarazzo em novembro de 2020; e algumas das obras que agora o rodeiam já foram expostas neste mesmo edifício, em momentos importantes da história recente do Brasil e da própria Bienal de São Paulo. Resgatá-las e voltar a mostrá-las, agora, é uma maneira de reafirmar o desejo de construir a 34ª Bienal pensando uma poética da repetição inspirada pelo pensamento de Édouard Glissant, cujos escritos também voltam em espiral sobre as mesmas ideias, repetindo conceitos que, contudo, nunca são os mesmos, porque tanto quem os escreve quanto quem os lê se transformam. Ao redor do sino, obras criadas em épocas e lugares distintos aludem, de maneira mais ou menos direta e mais ou menos poética, ao retorno, como tragédia ou como farsa, de momentos sombrios, e à necessidade de opormos a eles ideias, corpos e cantos.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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