Os retratos de Frederick Douglass

Frederick Douglass, 1877. Foto [photo]: Matthew B.Brady
Frederick Douglass, 1877. Foto [photo]: Matthew B.Brady

Frederick Augustus Washington Bailey nasceu em Talbot County, Maryland (EUA), em fevereiro de 1817 (ou de 1818, segundo algumas fontes), filho de uma mãe negra escravizada e de um pai, provavelmente branco, que nunca o reconheceu – talvez o dono ou um feitor da plantação onde a mãe trabalhava. Ao longo da infância e da adolescência, apesar de inúmeros obstáculos, aprendeu a ler e a escrever, chegando a organizar aulas de alfabetização para outras pessoas escravizadas como ele. Em 1838, após algumas tentativas frustradas, conseguiu fugir para Nova York, onde a prática da escravidão havia sido abolida em 1827, mas a sensação de insegurança causada pela espreita constante de “sequestradores legalizados” de fugitivos fez com que logo se mudasse para New Bedford (Massachusetts), onde adotou o sobrenome Douglass. Eloquente, carismático e tendo vivido realidades que lhe davam uma perspectiva contundente da sociedade, iniciou rapidamente uma extraordinária carreira de escritor, orador, político e, acima de tudo, ativista em prol da abolição da escravidão – que ocorreu em todo o território dos Estados Unidos apenas em 1865 –, tornando-se uma das figuras mais reconhecidas e admiradas nessa luta. Ao morrer, em 1895, era considerado um dos homens mais importantes na história dos Estados Unidos.

Em 1841, Douglass encomendou seu primeiro retrato fotográfico. Ele tinha plena consciência de que sua imagem de homem negro livre poderia ter grande amplitude na luta contra a escravidão e percebeu, de modo pioneiro, que a circulação massiva que o meio fotográfico permitia seria importante no suporte à luta antirracista e contra as práticas segregacionistas do pós-abolição. Não à toa, ao longo das mais de cinco décadas seguintes, ele se tornaria a pessoa mais fotografada nos Estados Unidos do século 19, demonstrando um enorme controle de sua pose, vestimenta, feição e enquadramento. Esse corpus único de retratos é apresentado aqui, de maneira praticamente integral, pela primeira vez no âmbito de uma exposição de arte.

Sob o olhar penetrante e desafiador de Douglass, obras produzidas em momentos e contextos distintos tecem um discurso complexo e rizomático, que reafirma a importância de voltar a olhar, hoje, para os processos de deslocamento, violência e resistência que marcaram e continuam marcando a vida de milhões de pessoas. Nessas obras, ligadas simbolicamente pelas cordas estendidas pelo vão do Pavilhão da Bienal por Arjan Martins (referência abstrata e poética aos triângulos desenhados pelos navios negreiros entre a África, as Américas e a Europa), cruzam-se fluxos de imagens, culturas e corpos que são testemunhos de que é possível metabolizar traumas do presente e do passado como combustível para exigir a construção de alicerces para um futuro mais justo.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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