A imagem gravada de Coatlicue

Vista da imagem gravada de [view of the engraved image of the] Coatlicue, um dos enunciados da [one of the statements of the] 34ª Bienal de São Paulo. © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
Vista da imagem gravada de [view of the engraved image of the] Coatlicue, um dos enunciados da [one of the statements of the] 34ª Bienal de São Paulo. © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Em 13 de agosto de 1790, um grupo de trabalhadores que fazia escavações na Praça Central da Cidade do México descobriu uma estátua, retratada e identificada pelo astrônomo e antropólogo Antonio de León y Gama como Teoyaomiqui. Na verdade, era a deusa Coatlicue, também conhecida como Dama de la Falda de Serpientes [Senhora da saia de serpentes]. A descoberta ocorreu durante as obras de construção de um canal de água para abastecer a cidade colonial, erguida sobre a grande Tenochtitlán, antiga capital asteca. Em 1520, quando as hordas espanholas lideradas por Hernán Cortez entraram na cidade, gradualmente subjugando e aniquilando uma das urbes mais prósperas de toda a Mesoamérica, dentre as estratégias utilizadas para desmantelar o império asteca esteve a eliminação de seus símbolos e crenças através da invisibilização e da substituição de imagens e tradições antigas. Em muitos casos, eles usaram os próprios deuses astecas esculpidos em pedra como base para catedrais e instituições do poder colonial.

Na mitologia asteca, Coatlicue, padroeira da vida e da morte, era a mãe de Huitzilopochtli, deus da terra, e representava a fertilidade. A escultura é um monólito de 24 toneladas e 2,5 metros de altura, com cabeça dupla. Na base da escultura, em contato direto com a terra, foi esculpido um baixo-relevo representando Tlāloc, o deus da chuva: um entalhe esculpido para que só pudesse ser visto pelas divindades da terra, longe do olhar humano.

O vice-rei Revillagigedo ordenou que Coatlicue fosse levada para a Universidade Real e Pontifícia do México como uma relíquia do passado mesoamericano. Mas, depois de algumas deliberações, as autoridades espanholas decidiram enterrá-la novamente, suspeitando que a senhora da saia de serpentes pudesse desencadear uma revolução; o medo de despertar a memória dos indígenas subjugados ia acompanhado do pavor por sua beleza brutal, fora dos cânones ocidentais de harmonia e decoro. Enterraram-na sob o claustro da universidade, até que, em 1804, um curioso Alexander von Humboldt pediu para vê-la durante sua visita à Nova Espanha. As crônicas narram que o explorador alemão começou a desenhá-la sem, no entanto, completar a ilustração: os religiosos da universidade tornaram a escondê-la sob a terra, talvez temendo que seu poder se tornasse incontrolável, e Humboldt teve que soltar as rédeas de sua imaginação para imortalizar a aura poderosa de Coatlicue em seus esboços.





  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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