Faixa 21: Ana Adamović

22 Sep 2021
Ana Adamović, Two Choirs [Dois coros], 2013-2014. Vídeoinstalação HD em 2 canais, 2’05”. Letra: Srećko Djurdjević; coral: Sara Dukić, Milica Dobroka, Danica Gojković, Ivan Jovičić, Kenan Kučević, Jovana Madlić, Nadja Manić, Mihajlo Nikolić, Saša Prendić, Nevena Stojković, Ognjen Tasovac, Milica Vučković condutor: Dijana Dukić; piano: Srdjan Marković; DP e pós-produção do vídeo: Vladan Obradović; áudio: Srdjan Bajski. Coleção da artista. © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Chegamos ao final da nossa visita à 34ª Bienal com a obra  “Two Choirs” ou em português “Dois coros”, da sérvia Ana Adamović. 

Na cidade de Belgrado, onde Adamović nasceu, há um museu em que são expostos vários  presentes recebidos pelo marechal Tito quando ele era chefe de Estado da então Iugoslávia, um país que existiu entre 1918 e 92.

O museu tem faqueiros de prata, entalhes em marfim, objetos artesanais típicos de países distantes... tem até fragmentos de solo lunar, que foram ofertados pelo governo dos Estados Unidos a Tito em 1969, ano em que o homem pisou na lua, pela primeira vez.

Ao lado desses objetos exóticos, encontra-se algo bem mais prosaico: centenas de álbuns de fotos que, ano após ano, as escolas dedicavam ao mandatário em seu aniversário. 

O conteúdo dos álbuns se repete: cenas registradas em salas de aula, em dias festivos, em atividades esportivas. E quase sempre eles contêm ao menos uma foto de um coro em que se veem os alunos entoando canções que os retratos em preto e branco não nos deixam escutar. 

Ana Adamović poderia estar em algum desses álbuns. Ela pertence a uma geração de artistas sérvios que nasceu sob o governo de Tito e viveu, na infância ou na adolescência, a dissolução da República Socialista Federativa da Iugoslávia. Muitas das obras desses artistas tematizam os últimos anos da república que deixou de existir: seus valores, seus hábitos, seu imaginário. 

É o caso de “Dois coros”, que parte de uma fotografia do álbum produzido em 1962 pelo I Instituto para a Educação de Crianças Surdas de Zagreb-Ilica. No retrato, vemos um coro em que as crianças vocalizam canções que elas mesmas não podem ouvir. A pergunta que a artista se faz é: seria aquele um sistema tão inclusivo que permitia até aos cidadãos surdos, historicamente excluídos, cantarem? Ou seria um sistema tão autoritário que os obrigava a cantar? 

A obra de Adamović traz a reprodução de uma dessas fotos. A imagem em preto e branco mostra um grupo de alunos surdos sobre um palco, diante de uma plateia. À frente dos alunos e de costas para a plateia está uma mulher de vestido escuro. Todas as crianças olham para ela. Na cortina ao fundo há algumas frases em iugoslavo e o desenho de uma foice e um martelo, símbolo da União Soviética e do comunismo.

Ao lado da foto, é exibido um vídeo que mostra uma apresentação do coral inclusivo de Belgrado, de que participam crianças surdas e ouvintes. Para a filmagem, a artista pediu que as crianças interpretassem, apenas em língua de sinais, uma canção patriótica dos anos 1960 que se chama “We Create Boldly” ou em português “Nós Criamos com Ousadia”. 

No vídeo de fundo preto, um grupo de seis meninas e seis meninos, com cerca de 12 anos de idade, todos de pele branca, vestindo camiseta preta e calça jeans, estão sobre uma pequena arquibancada de três degraus também pretos.

O grupo silencioso interpreta a letra da música em língua de sinais, movimentando os braços e as mãos simultaneamente, sinalizando como em uma coreografia acompanhada de significativas expressões faciais. 

Em um coro, cada voz contribui com seu timbre singular para criar uma composição única. Não é diferente aqui, já que o mesmo sinal ganha características singulares na interpretação de cada criança, e é apenas no conjunto de seus corpos que a harmonia pode ser criada.

Terminamos estes ensaios sonoros com a obra de Ana Adamović para reforçar o caráter inclusivo deste audioguia e a beleza da diversidade.

Obrigado por fazer esta visita comigo e meus colegas Marília Gabriela, Adriana Couto e Sara Bentes. 

Se você estiver nos ouvindo do Pavilhão Ciccilo Matarazzo, há ainda muito a explorar na 34ª Bienal. Continue passeando pela exposição e crie seus próprios percursos. 

Caso você esteja ouvindo de qualquer outro lugar, deixo o convite para você visitar a exposição! A entrada é gratuita. Há centenas de obras, infinitas relações e uma equipe qualificada esperando por você! 

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