Faixa 9: Paulo Kapela

22 Sep 2021
Vista das obras de Paulo Kapela na 34ª Bienal de São Paulo. © Levi Fanan /Fundação Bienal de São Paulo

Perto dos retratos de Frederick Douglass vemos as obras de Paulo Kapela.

Kapela nasceu em Angola, na província de Uíge, em 1947, mas fugiu para a República do Congo, onde estudou na Escola de Pintura Poto-Poto, em Brazzaville. Quanto tinha quase 50 anos, voltou para Angola e se estabeleceu em Luanda, onde viveu e trabalhou em condições bastante precárias até sua morte, em 2020, devido à Covid-19. 

Com a consolidação de seu trabalho artístico, ele se tornou uma referência e uma fonte inesgotável de inspiração para a nova geração de artistas angolanos, graças à força extraordinária de suas obras e à sua figura carismática e quase profética.

Dizem que seu ateliê era preenchido com arranjos de objetos encontrados que combinavam referências tão diversas quanto a filosofia Bantu, o catolicismo, o rastafarianismo e iconografias socialistas. 

Esse forte sincretismo é visto em suas pinturas e em suas instalações, nas quais ele usa tanto objetos profanos, da sociedade de consumo, quanto objetos sagrados, muitas vezes dispostos ao lado de retratos de personalidades da cena política ou das finanças angolanas. 

Das mais de 30 obras dele expostas aqui, vou falar sobre uma sem título, de 2010. Sobre um pedaço retangular de um material de cor semelhante a papelão, grosseiramente cortado, foram colados dois papéis, também retangulares. Esses papéis estão simetricamente distribuídos, um à direita e outro à esquerda. O da esquerda é um recorte de um jornal e o da direita provavelmente uma página ilustrada. É difícil identificá-los completamente, pois sobre eles Kapela faz uma série de inscrições e desenhos com traços pretos. As bordas do papelão também estão repletas de inscrições onde se pode ler “África, Angola, Congo” ou “Banto, Cicicba, Bantu” em um emaranhado de palavras e referências.

Sobre o recorte de jornal à esquerda há outras inscrições, que se somam às notícias e parecem se integrar a elas, e um pequeno desenho do rosto de um homem. O rosto dele está cercado por moedas coladas, formando uma espécie de moldura, e de sua cabeça saem duas penas, também coladas. Na página à direita há o desenho maior de um rosto, ou de uma máscara: os olhos grandes, nariz largo, lábios grossos e um adorno na cabeça. Na sua boca está colado um cachimbo e, nos seus olhos, testa, queixo e orelhas, estão coladas moedas, como se fossem adornos da máscara. Na sua testa também estão coladas quatro penas. 

As obras de Kapela são profundamente políticas. Seu trabalho é inseparável de sua vida. A produção de Kapela fez um esforço de apropriação e reescrita da história colonial de Angola, em busca de uma “crioulização” entre elementos da dominação ocidental e a realidade cultural e social local.

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