Para adentrar a produção recente de Kelly Sinnapah Mary (1981, Guadeloupe, França), é frutífero começar por Cahier d´un non retour au pays natal (Caderno do não retorno ao país natal), uma série de instalações, pinturas, tapeçarias e objetos que ela iniciou em 2015. Esse título sugestivo, que faz referência ao mais importante poema do martinicano Aimé Césaire, sintetiza muito de sua produção desde então. Se o poema de 1939 já lidava com a diáspora e o colonialismo, constituindo uma das bases para a formulação do movimento chamado négritude, Sinnapah Mary sublinha a impossibilidade do retorno em resposta à sua própria origem. Seus antepassados vieram da Índia para Guadalupe no século 19 em decorrência de um acordo proposto pelo governo francês, que visava reabastecer sua colônia com mão de obra após a abolição da escravidão. Muitas famílias que atravessaram os oceanos nesse momento acreditaram que cumpririam um período predeterminado de contrato, mas pouquíssimas tiveram condições de retornar a seu país e acabaram constituindo um novo capítulo diaspórico nas ilhas caribenhas.
Identificando-se como parte dessa história, Sinnapah Mary coleta retalhos de lembranças (suas ou emprestadas de suas leituras), reunindo-as por justaposição e sobreposição. Tais lembranças podem ter a feição de ilustrações de contos de fada europeus, fazer referência a rituais hindu com oferendas animas, reproduzir a forma de ouriços e outros seres marítimos, emular a densidade da floresta caribenha, ou sugerir associações com uma infância cercada de ameaças. Em todo caso, elas nunca aparecem isoladas, mas sempre em uma concatenação que sugere misturas e intercâmbios incessantes.
Apoio: Institut français à Paris e Ministère de la Culture – DAC Guadeloupe
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Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).