As narrativas de Pierre Verger (1902, Paris – 1996, Salvador, BA, Brasil) sobre sua vida invariavelmente têm início com seu desconforto diante do moralismo que regia a vida burguesa de sua família em Paris. Buscando alternativas, Verger aproximou-se, ainda na década de 1930, de uma espécie de juventude contracultural formada por dissidentes do grupo surrealista francês, que experimentavam o naturalismo e o veganismo e formavam coalizões pela experimentação artística, tal como o Groupe Octobre. Foi no contexto dessas trocas que Verger começou a trabalhar como fotógrafo, ofício que o amparou em sua jornada iniciada em 1932, quando deixou Paris para passar mais de uma década em viagens pelo mundo, percorrendo inúmeras coordenadas, incluindo a Rússia, o Caribe, Polinésia, a Ásia e a África.
Entre 1932 e 1946, Pierre Verger viveu uma espécie de nomadismo, enviando suas imagens para algumas das principais agências internacionais e aprofundando seu uso da fotografia como um dispositivo que desencadeava trocas de olhares e interações interpessoais mesmo diante de evidentes distâncias linguísticas e culturais. Em 1946, Verger visitou pela primeira vez a cidade de Salvador, que se tornaria sua casa mais duradoura e onde se aproximou da cultura afro-brasileira. Verger foi iniciado no candomblé e, já em 1948, recorreu a seu caráter viajante para iniciar o trânsito entre a Bahia e o oeste da África, a fim de comparar e conectar a religiosidade dos povos iorubás com a de seus descendentes diaspóricos. Esse trânsito pendular tornou-se a principal guia da vida de Verger: foi por meio dele que o fotógrafo foi iniciado como babalaô e rebatizado como Pierre Fatumbi Verger; passou a atuar como pesquisador, escrevendo e publicando sobre a religiosidade nos dois continentes; e assumiu um importante papel junto a terreiros e pais e mães de santo de Salvador que o escolheram como aliado e interlocutor.
A relação de Verger com a fotografia e com os terreiros de candomblé baianos gerou um episódio complexo, que será revisitado na 34ª Bienal. Em finais da década de 1940, Verger foi convidado pelo Pai Cosme para fotografar um rito de iniciação, incluindo suas etapas privadas e estágios de transe. O ensaio resultante, que combina a intensidade dos momentos rituais com uma abordagem fotográfica direta, permaneceu quase inédito, tendo apenas três das fotografias sido publicadas, por intermédio de Alfred Métraux e Michel Leiris, nos livros L´Érotisme [O erotismo] (1957) e Les Larmes d´Eros [As lágrimas de Eros] (1961) de Georges Bataille. Em 1951, porém, havia surgido interesse em tornar público esse ensaio de Verger após a publicação de fotografias de um rito de iniciação de candomblé feitas pelo cineasta Henri George Clouzot em uma matéria exotizante e sensacionalista da revista Paris Match. No Brasil, a revista O Cruzeiro tentou fazer uma espécie de resposta à publicação francesa e contatou Verger, que escolheu omitir suas fotografias entendendo que havia nessa pauta uma atitude desrespeitosa. O fotógrafo José Medeiros foi então enviado a Salvador para produzir um ensaio publicado no mesmo ano, enquanto Verger só reconsiderou seu próprio veto sobre esse ensaio catorze anos depois, quando incluiu algumas de suas imagens em seu livro Orixás (1981), onde tinha segurança de que elas estariam contextualizadas por sua pesquisa e vivência.
Apoio: Institut français à Paris
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Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).