Belkis Ayón

Vista das obras de [view of the artworks by] Belkis Ayón na [at the] 34ª Bienal de São Paulo.  © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo
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A produção de Belkis Ayón (1967-1999, Havana, Cuba) orbita em torno da presença de um segredo velado por múltiplos signos de silêncio e escuridão. Ela, que estudou no Instituto Superior de Arte de Havana entre 1986 e 1991, desenvolveu sua carreira durante a década de 1990, enquanto seu país vivia uma profunda crise econômica desencadeada pelo colapso da União Soviética. Durante sua graduação, familiarizou-se com a colografia – técnica de gravura em que a matriz de impressão resulta da colagem de materiais diversos sobre um suporte rígido – e pesquisou a sociedade secreta afrocubana Abakuá, cujos fundamentos conformaram-se no período colonial e cuja ritualidade possui diversos aspectos reservados exclusivamente a seus iniciados, dentre os quais apenas homens são permitidos. Com o tempo, Ayón não apenas adotou a colografia como sua principal linguagem, como a levou a limites inesperados, trabalhando em grandes escalas e desenvolvendo, inicialmente, elaboradas combinações de cores e texturas e, em seguida, combinações de preto e branco repletas de nuances de cinza. Ao mesmo tempo, ela adotou elementos da cultura Abakuá como metáfora recorrente de suas obras, que davam forma a entidades em geral descritas apenas por palavras.

Em sua reelaboração dos mitos de uma cultura que ela inicialmente conheceu por meio de livros, Ayón destaca a entidade Sikán, uma princesa que, ao buscar água no rio, inadvertidamente capturou Tanzé, o peixe encantado que garantia a prosperidade de seu povo. Há múltiplas versões do que se sucedeu, mas o elemento constante é que esse acaso resultou na morte do peixe e na perda de seu som divino. Sikán teria sido vista como alguém que absorveu seu poder, ou que contou seu segredo a um amante de outra etnia (chamada Efor), sendo então aprisionada e sacrificada por seu próprio povo (a etnia Efik). Há, entretanto, uma versão ainda mais dramática da jornada de Sikán, a qual foi registrada pela antropóloga e poeta Lydia Cabrera em um texto de 1969: “a verdadeira dona do Poder era uma mulher que os homens mataram para apoderar-se de seu Segredo”.

Tendo muitas vezes retratado Sikán com elementos de sua própria fisionomia e compleição, Ayón interessou-se pelo modo como ela condensa noções de sacrifício, tabu, segredo e traição. A matriz de colografia Sikán (1991) tem diversos dos recursos que a artista associa a essa mitologia em geral e a essa personagem em especial: sua cabeça não tem cabelos, seus olhos estão muito abertos e não há sinais de uma boca ou orelhas; sua pele tem o que parecem ser escamas e a composição inclui uma serpente e um peixe; ao fundo vêem-se grafismos que remetem aos “anaforuanas” Abakuá. La Cena [A ceia] (1988) é a versão em cores de uma das obras mais célebres da artista, em que ela imagina uma refeição ritual compartilhada quase que apenas por mulheres, tendo Sikán sentada ao centro da mesa. Proposta para ser instalada em uma igreja na Alemanha, a série Via Crucis (1993) traz uma intricada combinação de símbolos e referências ao culto afrocubano e à bíblia cristã em seus títulos e subtítulos. Entre elas, entretanto, sustenta-se a possibilidade de que sejam as emoções e dúvidas da própria artista que constituam o segredo que repousa sobre essas gravuras.

  1. Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
  2. Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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