As intervenções de Lydia Ourahmane (1992, Saïda, Argélia), na maior parte de suas exposições recentes, foram rarefeitas, quase imperceptíveis. O objetivo da artista parece ser suscitar no visitante a dúvida sobre o que está vendo ou ouvindo, ou até sobre se de fato há algo para ser visto ou ouvido. Em Solar Cry [Grito solar] (2020), por exemplo, instalou dentro de uma parede de madeira uma série de alto-falantes que reproduziam o som do silêncio, gravado numa gruta remota no altiplano de Tassili n’Ajjer, no Sahara argelino. Apesar de inaudível, a gravação se tornava, contudo, perceptível pelas vibrações que produzia, amplificadas pela madeira. Uma estratégia análoga subjaz à escolha de inserir cápsulas de chumbo em moldes em bronze de seu torso (bronze belly I-IV, 2019), que pouco a pouco irão se transformar por decomposição, desde dentro, num processo de longa duração e quase inteiramente invisível. Não por acaso, um dos conceitos que mais recorre na literatura crítica sobre a obra de Ourahmane é o da fé, da predisposição a acreditar na existência de algo que não pode ser visto ou comprovado. Se, por um lado, essa referência ajuda a adentrar um território poético e vibrátil, caracterizado pela opacidade e pela impossibilidade de explicar e explicitar todos os aspectos da obra, ela permite também uma conexão com a biografia da artista, e com as implicações políticas de sua prática.
Criada na Inglaterra, a artista voltou recentemente a residir na Argélia, onde passou os primeiros anos da sua vida num explosivo cenário de guerra civil (1991-2002). De fato numa outra vertente da obra de Ourahmane a reflexão crítica sobre a dramática realidade do seu país de origem se torna mais direta, entrelaçando-se em alguns casos com sua biografia e até com o seu próprio corpo, que abriga hoje as marcas de um intenso compromisso com a criação artística: por exemplo, um dente de ouro implantado para In the absence of our mothers [Na ausência de nossas mães], 2015-18.
Apoio: British Council
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Caroline A. Jones, Eyesight Alone: Clement Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).
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Greenberg’s Modernism and the Bureaucratization of the Senses (Chicago: University of Chicago Press, 2005).